*Dr. Paulo Lima
Estava hoje de
manhã na varanda da casa onde moro, aqui em Olinda, olhando a linha do
horizonte e vendo as águas azul claras do oceano atlântico a se confundirem com
o azul brilhante do céu de um dia de verão e pus-me a pensar, tal qual Fabiano,
o vaqueiro rude de “Vidas Secas, obra de Graciliano Ramos, que, ao menos neste
mês as águas não virão em abundância. Na verdade, há alguns anos que as “águas
de março” só chegam para nós através da canção, interpretada na voz marcante de
Elis Regina, já que o inverno, como nós costumamos chamar a estação chuvosa em
nossa região agreste, transferiu-se para abril, ou maio. Mas, tal qual nossos
irmãos do cariri, ou o sertanejo Fabiano, não perco as esperanças. Olho os
sinais da natureza; a saúva cortando o que resta de verde nas folhas da
caatinga, no terreno que tenho lá pras bandas do “Riacho Doce”, na cariri de
Taquaritinga do Norte, o florescer da barriguda no alto da Serra da Taquara, ou
da caraibeira, ou mesmo a aranha caranguejeira, caminhando pela estrada a fora,
a me dizer que a chuva não tardará. Assim somos nós do agreste e do sertão de
nosso Pernambuco: Nunca perdemos a esperança.
É engraçado
como pessoas tão próximas às vezes se diferenciam tanto. Refiro-me ao pessoal
da região praieira. Os que nasceram à beira mar ou mesmo nas áreas outrora
alagadas, que foram tomadas do mar pela ação do homem, para nelas construir as
suas casas. Até pouco tempo atrás Janine, minha mulher, estranhava um pouco
quando eu achava bonito o céu quando ficava cor de chumbo, tomado por grossas
nuvens prenunciando chuva. O mesmo se dava comigo, quando ela falava que o
tempo estava feio e chuvoso. É que ela, como tantos outros nascidos no litoral,
acostumados com o sol, não sabe o quanto significa para nós, do sertão e do
agreste de nosso Estado, sentir os pingos grossos de uma chuva a bater com
força em nosso rosto, causando uma leve sensação de dor e ao mesmo tempo um
prazer indescritível, transferindo-nos à infância, quando, mal terminavam as
festas natalinas já começávamos a aguardar ansiosos as chuvas de março! É
certo, que, às vezes chovia um pouco em janeiro e já íamos nós a tomar banho de
chuva e muitas vezes com ele vinha um senhor resfriado! Como era bom aquele
tempo de nós, moleques, a correr para as beiradas das casas do sítio goiabeira,
em Vertentes, tão logo a chuva começava a cair do céu, aguardando o momento em
que o telhado começasse a jorrar aquela água bendita em nossas cabeças! Só sabe
mesmo o prazer desse momento quem, como eu, tomou banho de biqueira, num dia de
inverno generoso.
Hoje eu não
sei se os moleques de nossa terrinha ainda sentem o prazer de tomar banho de
chuva; espero que sim, já que nada é tão gostoso quanto um bom banho de biqueira.
De repente
volto à realidade, deixando de lado as lembranças da minha infância e pego o
jornal para dar uma olhada. Nele vejo a previsão do tempo, a indicar que, pelo
quarto ano consecutivo não teremos um bom inverno, aqui em nossa região. Ora,
penso eu com os meus botões: e quem são esses homens do tempo para saber mais que
as saúvas cortadeiras? É claro que vamos ter um bom inverno sim,
pois os sinais da natureza estão aí para desmentir aqueles que pensam que sabem
mais que o Criador. As chuvas podem não
vir agora em março, mas com certeza virão com abundância em abril e espero
presenciar alguns moleques a correr para baixo das biqueiras das casas, para
que, ao menos possa sentir neles um prazer que ficou para trás, guardado com
carinho nos meus tempos de criança.
Um abraço a
todos.
*PAULO ROBERTO DE LIMA é graduado em Filosofia
pela Universidade Católica, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do
Recife, advogado, e atualmente exerce o cargo de Procurador Federal.
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