sexta-feira, 31 de julho de 2015

A PENA DE MORTE

*Dr. Paulo Lima

Se você, que começou a ler estas mal traçadas linhas está pensando que vou fazer uma dissertação sobre a pena de morte, enganou-se. Na verdade, vou falar sobre uma punição mil vezes mais cruel; a punição do desprezo, da execração e do esquecimento de um ídolo dos anos sessenta/setenta - WILSON SIMONAL - que findou por se transformar num pária em seu País. Confesso, que, antes de assistir ao documentário "Ninguém sabe o duro que dei", trecho de um dos seus primeiros sucessos, nutria um certo desprezo por esse extraordinário cantor da música popular brasileira, talvez o maior deles no seu gênero, justamente em razão dele próprio, num momento de irresponsabilidade ou de insensatez, se declarou simpatizante da ditadura e dos militares, nos chamados negros anos da repressão e, a verdade, agora resgatada neste documentário, demonstra que ele não era um dedo duro!
Simonal era de cor negra, filho de empregada doméstica, que, para alimentá-lo muitas vezes tinha que levar uma marmita escondida para o quintal das casas onde prestava serviço e Simonal, criança, pulava às escondidas o muro da casa para se alimentar, devolvendo em seguida a marmita para o mesmo local, onde era posteriormente recolhida por sua mãe, já que a família empregadora não permitia filhos de empregadas compartilhando as áreas comuns da residência, nem tampouco admitia contratar mulheres que tivessem filhos. Não foi fácil para ele, um negro, naquela época onde o preconceito da sociedade brasileira era infinitamente maior, alcançar o sucesso que alcançou, mas foi muito fácil descer ao fundo do poço.
Ainda lembro alguns dos seus sucessos, embora na época não tivesse mais que seis, oito ou dez anos no máximo, a exemplo de "Meu limão, meu limoeiro" (1966), "Mamãe passou açúcar em mim" (idem) e a inesquecível "Vesti azul" (1967), que, vez por outra me pego assoviando o seu refrão, que diz assim: "Vesti azul, minha sorte então mudou, vesti azul, minha sorte então mudou"...  Quando esta música estourou nas paradas de sucesso das emissoras de rádio e da TV , tinha exatos dez anos, mas não me lembro de nenhum fato marcante, ocorrido então, que guarde alguma correlação com esta música, mas gosto muito dela. Talvez seja por gostar da cor azul.  Eu, como tantos, acredito que o azul nos trás sorte, não sei bem porque, mas acredito. Mas voltemos ao tema do artigo.
Wilson Simonal era dono de uma voz, que, embora suave era marcante, pois tinha a capacidade de transformá-la num autêntico instrumento musical. Era, por assim dizer, um músico de sua voz, dono de um gingado e de uma bossa tal, que ainda hoje a sua figura e o seu jeito peculiar são a expressão maior da alma do carioca. Mas ele cometeu um pecado mortal. Por ter atingido a fama de maneira meteórica, começou a gastar e a fazer extravagâncias, a ponto de ter chegado a possuir, de uma única vez, três Mercedes conversíveis! Chegou a fazer quase trezentos shows por ano, naquela época, o que dava quase um show por dia - proeza inigualável naqueles anos - e, como garoto propaganda da Shell ganhava uma verdadeira fortuna mensal. Mas parte desse dinheiro esvaía-se como água, por causa de suas extravagâncias e quando o contrato com a distribuidora de combustível foi rescindido, os gastos superaram a sua renda e ele quebrou. No entanto, ao invés de reconhecer a sua falha culpou o seu contador, que, inconformado com a demissão ajuizou uma Ação Trabalhista contra o cantor, que, contrariado se valeu da ajuda de alguns policiais do DOPS, órgão de repressão terrível, naquela época. Os agentes levaram o pobre homem para a carceragem e o torturaram até que findou por confessar um desfalque que não tinha cometido. Ao sair, denunciou o cantor, que, na presença do Delegado de Polícia e num momento de pura arrogância e burrice, talvez para tentar minimizar o seu ato, findou por dizer em depoimento que era simpatizante da ditadura. Isto foi o bastante. A imprensa (sempre ela) começou um verdadeiro massacre contra o cantor. Foi preso e depois condenado a quatro anos de prisão e daí em diante começou o seu calvário. De ídolo passou a ser odiado a ponto de não mais poder sequer caminhar pelas ruas. Todos lhe viraram as costas. Os músicos não queriam lhe acompanhar nos shows e quando ia fazer algum, mal começava e logo em seguida era interrompido por vaias e não tinha condições, sequer, de continuar, tendo que encerrar a apresentação.  Daí para a depressão foi um passo e, para suportar o desprezo popular começou a beber de forma tal, que findou por morrer de cirrose hepática no ano de 2000, no esquecimento. Vejam vocês, que existem penas bem mais cruéis que a pena capital. Esta é uma delas. "Estava na tristeza que dava dó, Vivia vagamente e andava só, Mas eis que de repente me apareceu, um brotinho lindo que me convenceu... Dizendo que eu devia Vestir azul, que azul é cor do céu e seu olhar também, Então o seu pedido me incentivou... Vesti Azul! (Popopopopó!), Minha sorte então mudou (Popopopopó!), Vesti Azul! (Popopopopó!), Minha sorte então mudou..." Valeu, Simonal!
Abraços a todos.


*DR. PAULO ROBERTO DE LIMA é graduado em Filosofia pela Universidade Católica, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife, ex-Procurador Federal, e atualmente exerce a advocacia. 

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