*Dr. Paulo Lima
Se você, que
começou a ler estas mal traçadas linhas está pensando que vou fazer uma
dissertação sobre a pena de morte, enganou-se. Na verdade, vou falar sobre uma
punição mil vezes mais cruel; a punição do desprezo, da execração e do
esquecimento de um ídolo dos anos sessenta/setenta - WILSON SIMONAL - que
findou por se transformar num pária em seu País. Confesso, que, antes de
assistir ao documentário "Ninguém sabe o duro que dei",
trecho de um dos seus primeiros sucessos, nutria um certo desprezo por esse
extraordinário cantor da música popular brasileira, talvez o maior deles no seu
gênero, justamente em razão dele próprio, num momento de irresponsabilidade ou
de insensatez, se declarou simpatizante da ditadura e dos militares, nos
chamados negros anos da repressão e, a verdade, agora resgatada neste
documentário, demonstra que ele não era um dedo duro!
Simonal era de
cor negra, filho de empregada doméstica, que, para alimentá-lo muitas vezes
tinha que levar uma marmita escondida para o quintal das casas onde prestava
serviço e Simonal, criança, pulava às escondidas o muro da casa para se
alimentar, devolvendo em seguida a marmita para o mesmo local, onde era
posteriormente recolhida por sua mãe, já que a família empregadora não permitia
filhos de empregadas compartilhando as áreas comuns da residência, nem tampouco
admitia contratar mulheres que tivessem filhos. Não foi fácil para ele, um
negro, naquela época onde o preconceito da sociedade brasileira era infinitamente
maior, alcançar o sucesso que alcançou, mas foi muito fácil descer ao fundo do
poço.
Ainda lembro
alguns dos seus sucessos, embora na época não tivesse mais que seis, oito ou
dez anos no máximo, a exemplo de "Meu limão, meu limoeiro"
(1966),
"Mamãe passou açúcar em mim" (idem) e a inesquecível "Vesti
azul" (1967), que, vez por outra me pego assoviando o seu refrão,
que diz assim: "Vesti azul, minha sorte então mudou, vesti azul, minha sorte
então mudou"... Quando esta
música estourou nas paradas de sucesso das emissoras de rádio e da TV , tinha
exatos dez anos, mas não me lembro de nenhum fato marcante, ocorrido então, que
guarde alguma correlação com esta música, mas gosto muito dela. Talvez seja por
gostar da cor azul. Eu, como tantos,
acredito que o azul nos trás sorte, não sei bem porque, mas acredito. Mas
voltemos ao tema do artigo.
Wilson Simonal
era dono de uma voz, que, embora suave era marcante, pois tinha a capacidade de
transformá-la num autêntico instrumento musical. Era, por assim dizer, um
músico de sua voz, dono de um gingado e de uma bossa tal, que ainda hoje a sua
figura e o seu jeito peculiar são a expressão maior da alma do carioca. Mas ele
cometeu um pecado mortal. Por ter atingido a fama de maneira meteórica, começou
a gastar e a fazer extravagâncias, a ponto de ter chegado a possuir, de uma
única vez, três Mercedes conversíveis! Chegou a fazer quase trezentos shows por
ano, naquela época, o que dava quase um show por dia - proeza inigualável
naqueles anos - e, como garoto propaganda da Shell ganhava uma verdadeira
fortuna mensal. Mas parte desse dinheiro esvaía-se como água, por causa de suas
extravagâncias e quando o contrato com a distribuidora de combustível foi
rescindido, os gastos superaram a sua renda e ele quebrou. No entanto, ao invés
de reconhecer a sua falha culpou o seu contador, que, inconformado com a
demissão ajuizou uma Ação Trabalhista contra o cantor, que, contrariado se
valeu da ajuda de alguns policiais do DOPS, órgão de repressão terrível,
naquela época. Os agentes levaram o pobre homem para a carceragem e o
torturaram até que findou por confessar um desfalque que não tinha cometido. Ao
sair, denunciou o cantor, que, na presença do Delegado de Polícia e num momento
de pura arrogância e burrice, talvez para tentar minimizar o seu ato, findou
por dizer em depoimento que era simpatizante da ditadura. Isto foi o bastante. A
imprensa (sempre ela) começou um verdadeiro massacre contra o cantor. Foi preso
e depois condenado a quatro anos de prisão e daí em diante começou o seu
calvário. De ídolo passou a ser odiado a ponto de não mais poder sequer
caminhar pelas ruas. Todos lhe viraram as costas. Os músicos não queriam lhe
acompanhar nos shows e quando ia fazer algum, mal começava e logo em seguida
era interrompido por vaias e não tinha condições, sequer, de continuar, tendo
que encerrar a apresentação. Daí para a
depressão foi um passo e, para suportar o desprezo popular começou a beber de
forma tal, que findou por morrer de cirrose hepática no ano de 2000, no
esquecimento. Vejam vocês, que existem penas bem mais cruéis que a pena
capital. Esta é uma delas. "Estava na tristeza que dava dó, Vivia
vagamente e andava só, Mas eis que de repente me apareceu, um brotinho lindo
que me convenceu... Dizendo que eu devia Vestir azul, que azul é cor do céu e
seu olhar também, Então o seu pedido me incentivou... Vesti Azul!
(Popopopopó!), Minha sorte então mudou (Popopopopó!), Vesti Azul!
(Popopopopó!), Minha sorte então mudou..." Valeu, Simonal!
Abraços a
todos.
*DR. PAULO ROBERTO DE LIMA é graduado em
Filosofia pela Universidade Católica, bacharel em Direito pela Faculdade de
Direito do Recife, ex-Procurador Federal, e atualmente exerce a advocacia.
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