*Dr. Paulo Lima
Não sei se
vocês já notaram, mas, vez por outra começo os meus escritos numa espécie de
diálogo. É que, deste modo, tenho a sensação que ficamos mais próximos, posto
que poucos são os que converso ao vivo, vez por outra e não, através de uma
folha de papel. Seria muito bom se todos pudéssemos ter uma convivência mais
próxima, mas a distância, os afazeres, enfim, as contingências da vida não nos
permitem. Por isto mesmo, quando sinto necessidade converso com vocês através
de uma folha de papel, como agora.
Pois bem, dia
desses precisei me deslocar da casa onde moro, aqui em Olinda, até o bairro dos
Aflitos, para resolver um assunto de saúde. Há muito, a travessia entre a
"Marin dos Caetés" e a "Veneza Brasileira" tornou-se uma
verdadeira "via crucis", por conta do trânsito, que, a cada dia que
passa se torna mais intenso e agressivo. Não é fácil, mesmo porque sabemos que
a cada dia que passa esta praga da modernidade, que alguém achou por bem dar o
nome de automóvel, está expulsando das ruas as pessoas, posto que até caminhar
pelas calçadas se torna temerário frente o perigo de ser atropelado por um
condutor menos atento, ou apressado. Até
em cidades como a nossa "Princesa do Agreste", agora mais conhecida
como a "Capital do Forró", ou mesmo a "Capital da Sulanca"
ou algumas de suas vizinhas, de menor porte, como minhas cidades, Vertentes e
Taquaritinga, antes até certo ponto tranqüilas e bucólicas, já foram há algum
tempo invadidas pelas tais máquinas da modernidade. São os tempos, diriam
vocês. Pois é. Mas, voltemos ao que interessa.
Ao chegar ao
bairro do Espinheiro tive que diminuir ainda mais a velocidade do meu carro, em
razão do trânsito, e de repente comecei a perceber como nos últimos tempos a
paisagem destas duas cidades mudou. Olinda nem tanto, mas principalmente o
Recife, e se alguém for alçado a uma altura razoável daquele amontoado de
edifícios, vai ter a nítida sensação de que nossas cidades foram como que
espetadas por estacas, tal qual uma tábua de pirulitos. Será que alguém ainda
vende pirulitos por aí? Faz anos que não vejo um vendedor de pirulitos... Como
o meu carro estava praticamente parado olhei para o alto e lá estavam eles, os
edifícios - alguns com fachadas
interessantes, mas, a maioria deles, nem tanto - pontilhados por minúsculas
janelas que mal dão para uma pessoa se espremer. Numa delas vi um senhor de
aproximadamente 75 anos, com olhar fixo, sem brilho, dirigido para adiante, e
fiquei a pensar: o que estaria vendo aquele senhor de olhar distante, já que a
sua visão não pode atravessar aqueles paredões de concreto? Estaria ele a sonhar? Certamente não.
Deve ser muito
triste a gente morar numa dessas "casinhas de pombos", após a chegada
da velhice, aprisionado entre quatro paredes e não tendo, sequer, o que
visualizar além de tantos outros edifícios a empatar a nossa vista e fico a pensar
como é bom morar numa casinha no mato, distante de tudo isso. Sim, pois nem
mais nossas cidades interioranas estão livres desta paisagem, pois Caruaru, por
exemplo, já começa a ser espetada... É o progresso, diriam vocês.
Finalmente
cheguei ao meu destino, o bairro dos Aflitos. Estacionei o meu carro atrás da
clinica médica e, ao descer, vi à minha direita um majestoso e imponente pé de
cajá, carregadinho de frutas, algumas maduras caídas no chão, exalando aquele
cheio gostoso que só sabe e sente quem nasceu e cresceu no interior. A árvore
devia medir uns dez ou quinze metros de altura e, quanto ao seu tronco, se três
pessoas se dessem às mãos certamente não o abraçariam totalmente. Parei um
pouco e fiquei a olhar por alguns instantes aquela maravilha da natureza,
quando de repente fui sacudido por um canto de um sabiá, que vinha de um
manguezal, vejam vocês, e só aí pude perceber que estava às margens do Rio
Capibaribe, o nosso "Rio das Capivaras", que nasce em terras
agrestinas, mais precisamente em Poção -
lá, quando o rio não está seco suas águas são límpidas - e vem desaguar
justamente na nossa "Veneza Brasileira". Mas, ao olhar por entre os
galhos e folhas dos manguezais pude perceber e ver, que, muito embora o rio
serpenteie entre manguezais, numa paisagem relativamente bucólica, encontra-se
cercado, mais adiante, por uma infinidade de paredões de concreto, e o líquido
que escorre no seu leito tem a cor da morte e o odor de lama fétida e
apodrecida, decorrente do envenenamento de suas águas ao longo dos anos, fruto
da ação insensata do homem.
E fiquei a
imaginar, que, se ao menos aquele velho senhor pudesse olhar para o rio, entrecortado
pelo manguezal, e ouvir o canto de um sabiá ou de um bem-te-vi, o seu olhar não
esbarraria num paredão de concreto e, quem sabe, até poderia sonhar...
*DR. PAULO ROBERTO DE LIMA é graduado em
Filosofia pela Universidade Católica, bacharel em Direito pela Faculdade de
Direito do Recife e advogado.
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