sexta-feira, 20 de março de 2015

O NOME DELE É GLAUCIONE

*Dr. Paulo Lima

Certamente vocês, minha meia dúzia de fiéis e pacientes leitores, nunca ouviram falar em Glaucione Santos. Nem eu, tampouco. Mas, lendo a sua estória esta semana resolvi reproduzi-la ao meu modo, claro. Glaucione, hoje com 44 anos, do sexo masculino, motorista de caminhão, desempregado, perdeu todos os seus documentos no pretérito ano de 2011. Daí procurou a sua mãe para que lhe entregasse a sua certidão de nascimento, que estava em seu poder, para que pudesse a partir daí, começar a tirar novos documentos. Ocorre, que, no papel estava registrado que  Glaucione era mulher e, deste modo, segundo lhe informaram, somente poderia tirar novos documentos caso fosse ao Cartório de Registro Civil para corrigir o erro. Lá chegando, Glaucione verificou que no livro de registro civil, o serventuário à época tinha registrado o mesmo como se fosse do sexo feminino! É que seu pai, analfabeto, não se apercebeu do erro na época, cometido pelo Oficial de Registro Civil - certamente quase tão analfabeto quanto - e desde então o coitado pena para corrigir a situação, já que o responsável pelo Cartório de Registro Civil somente providenciará a correção do erro, com a expedição de uma nova certidão de nascimento, caso haja autorização judicial para tanto. A “via crucis” de Glaucione Santos começa a partir daí.
É que, tendo sido orientado pelo Oficial de Registro Civil a buscar a Justiça para corrigir o erro, Glaucione, pobre e desempregado, ajuizou a ação através da Defensoria Pública e desde então espera por uma resposta do Judiciário. Segundo relatos de sua mulher, até exame no IML o seu marido já fez, para provar que é homem e, no entanto, o processo não chega ao fim. O fato é que, sem poder exercer a sua profissão, devidamente formalizada, Glaucione está vivendo de bicos para não passar fome, vejam só vocês!
Ora, minha gente, não se mostra razoável que um procedimento relativamente simples, posto que de jurisdição voluntária, no qual existe apenas um interessado, Glaucione, de um lado, e o Estado-Juiz, do outro, perdure uma eternidade. Não é crível e muito menos aceitável que um juiz de direito passe anos para proferir uma sentença meramente declaratória, autorizando o Cartório de Registro Civil a alterar o sexo de uma pessoa, anotado por erro de grafia num livro de registro civil, pois não existe justificativa plausível para tal omissão ou demora. É certo que o Poder Judiciário se encontra assoberbado de processos nos dias atuais, conforme sabemos. Mas este fato não exime de culpa aqueles que têm o dever legal de bem dizer o direito, já que para isto contam, não somente com um apoio técnico de excelente qualidade, como também têm à sua disposição as mais modernas ferramentas para exercer o seu mister. O fato é que, tivesse Glaucione condições de pagar regiamente um advogado, a estória seria outra...  Mas a questão não é somente esta.
É que, na minha modesta opinião, num País onde um cidadão não tem direito ao pleno exercício de sua cidadania, através do amplo acesso ao Judiciário conforme preconizado no Capítulo reservado à garantia dos direitos individuais e coletivos dos brasileiros, mais precisamente no art. 5º, inciso XXXV da vigente Constituição Federal, não se pode afirmar que viva na plenitude de sua democracia já que, no caso, o cidadão está sendo lesionado num dos seus direitos fundamentais, justamente por um dos poderes que garantem o estado democrático de direito, qual seja, o Judiciário, em razão de uma demora injustificada na prestação jurisdicional. Mas, talvez, a situação melhore ano que vem.
É que a Presidente DILMA ROUSSEF sancionou nesta segunda feira o novo Código de Processo Civil, legislação que disciplina as relações processuais de natureza cível, o qual, dentre outras questões, promete a agilização da prestação jurisdicional, o que espero e torço ardentemente que ocorra, para o bem dos “Glauciones” brasileiros. Eu, de minha parte, não acredito muito nisso, já que a culpa não está na Lei, mas nos seus aplicadores; e esta é uma das razões, dentre tantas outras, que dificilmente me levarão a continuar no exercício da advocacia após me aposentar e, como costumo dizer, prefiro criar minhas galinhas.


*PAULO ROBERTO DE LIMA é graduado em Filosofia pela Universidade Católica, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife, advogado, e atualmente exerce o cargo de  Procurador  Federal. 

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