*Dr.
Paulo Lima
Certamente vocês, minha meia dúzia de
fiéis e pacientes leitores, nunca ouviram falar em Glaucione Santos. Nem eu,
tampouco. Mas, lendo a sua estória esta semana resolvi reproduzi-la ao meu
modo, claro. Glaucione, hoje com 44 anos, do sexo masculino, motorista de
caminhão, desempregado, perdeu todos os seus documentos no pretérito ano de
2011. Daí procurou a sua mãe para que lhe entregasse a sua certidão de
nascimento, que estava em seu poder, para que pudesse a partir daí, começar a
tirar novos documentos. Ocorre, que, no papel estava registrado que Glaucione era mulher e, deste modo, segundo
lhe informaram, somente poderia tirar novos documentos caso fosse ao Cartório
de Registro Civil para corrigir o erro. Lá chegando, Glaucione verificou que no
livro de registro civil, o serventuário à época tinha registrado o mesmo como
se fosse do sexo feminino! É que seu pai, analfabeto, não se apercebeu do erro
na época, cometido pelo Oficial de Registro Civil - certamente
quase tão analfabeto quanto - e desde então o coitado pena para
corrigir a situação, já que o responsável pelo Cartório de Registro Civil
somente providenciará a correção do erro, com a expedição de uma nova certidão
de nascimento, caso haja autorização judicial para tanto. A “via
crucis” de Glaucione Santos começa a partir daí.
É que, tendo sido orientado pelo
Oficial de Registro Civil a buscar a Justiça para corrigir o erro, Glaucione,
pobre e desempregado, ajuizou a ação através da Defensoria Pública e desde
então espera por uma resposta do Judiciário. Segundo relatos de sua mulher, até
exame no IML o seu marido já fez, para provar que é homem e, no entanto, o
processo não chega ao fim. O fato é que, sem poder exercer a sua profissão,
devidamente formalizada, Glaucione está vivendo de bicos para não passar fome,
vejam só vocês!
Ora, minha gente, não se mostra
razoável que um procedimento relativamente simples, posto que de jurisdição
voluntária, no qual existe apenas um interessado, Glaucione, de um lado, e o
Estado-Juiz, do outro, perdure uma eternidade. Não é crível e muito menos
aceitável que um juiz de direito passe anos para proferir uma sentença
meramente declaratória, autorizando o Cartório de Registro Civil a alterar o
sexo de uma pessoa, anotado por erro de grafia num livro de registro civil,
pois não existe justificativa plausível para tal omissão ou demora. É certo que
o Poder Judiciário se encontra assoberbado de processos nos dias atuais,
conforme sabemos. Mas este fato não exime de culpa aqueles que têm o dever
legal de bem dizer o direito, já que para isto contam, não somente com um apoio
técnico de excelente qualidade, como também têm à sua disposição as mais
modernas ferramentas para exercer o seu mister. O fato é que, tivesse Glaucione
condições de pagar regiamente um advogado, a estória seria outra... Mas a questão não é somente esta.
É que, na minha modesta opinião, num
País onde um cidadão não tem direito ao pleno exercício de sua cidadania,
através do amplo acesso ao Judiciário conforme preconizado no Capítulo
reservado à garantia dos direitos individuais e coletivos dos brasileiros, mais
precisamente no art. 5º, inciso XXXV da vigente Constituição Federal, não se
pode afirmar que viva na plenitude de sua democracia já que, no caso, o cidadão
está sendo lesionado num dos seus direitos fundamentais, justamente por um dos
poderes que garantem o estado democrático de direito, qual seja, o Judiciário,
em razão de uma demora injustificada na prestação jurisdicional. Mas, talvez, a
situação melhore ano que vem.
É que a Presidente DILMA ROUSSEF
sancionou nesta segunda feira o novo Código de Processo Civil, legislação que
disciplina as relações processuais de natureza cível, o qual, dentre outras
questões, promete a agilização da prestação jurisdicional, o que espero e torço
ardentemente que ocorra, para o bem dos “Glauciones” brasileiros. Eu, de minha
parte, não acredito muito nisso, já que a culpa não está na Lei, mas nos seus
aplicadores; e esta é uma das razões, dentre tantas outras, que dificilmente me
levarão a continuar no exercício da advocacia após me aposentar e, como costumo
dizer, prefiro criar minhas galinhas.
*PAULO ROBERTO DE LIMA é graduado em Filosofia pela Universidade
Católica, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife, advogado, e
atualmente exerce o cargo de
Procurador Federal.
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