* Dr. Paulo Lima
Uma
reportagem de capa, publicada na revista semanal “Carta Capital”, que
acabei de ler, me levou a escrever este artigo. A referida reportagem fala
sobre o Brasil que em que hoje vivemos: o Brasil de Sheherazade e de Dona
Ivone.
Para
quem não leu a reportagem vou tentar sintetizá-la.
No
início do mês, Dona Ivone foi acordada em seu apartamento por um barulho das
sirenes dos bombeiros. Desceu e viu uma cena grotesca, na qual um adolescente
negro se encontrava acorrentado a um poste de luz, por um cadeado daqueles que
prendem bicicletas, nu, espancado, sangrando e com parte a orelha arrancada. Os
bombeiros serraram o cadeado e levaram-no para o hospital. Dona Ivone, vendo
aquela cena tirou uma foto e postou no
facebook.
A
reação foi imediata, com centenas de postagens agressivas contra Dona Ivone,
que culminou com a defesa daquele ato bárbaro, por uma repórter do SBT, que tem
o sugestivo nome de Sheherazade e que teria elogiado os chamados justiceiros,
no Jornal do SBT, justificando o seu ponto de vista com a sugestiva frase: “Aos
defensores dos direitos humanos, que se apiedaram do marginalzinho preso ao
poste, eu lanço uma campanha: faça um favor ao Brasil, adote um bandido!”
Ainda
bem que não assisto ao SBT, nem nunca ouvi a voz dessa personagem...
Para
quem não sabe, Shéhérazade é a personagem de um filme de aventuras produzido na
França em 1963, na qual uma princesa prometida
a um poderoso califa, é salva de um ataque no deserto do Sahara, cujo cavaleiro
que a salva, por ela se apaixona. Voltemos ao tema.
Dona
Ivone, é uma professora que faz um trabalho social numa das favelas do complexo
da maré, no Rio de Janeiro, educando crianças pobres e desamparadas até o nono
ano, de graça.
O
que me impressionou lendo a reportagem, não foi à violência, em si, praticada
contra um negro, chamado pela repórter de marginal; o que me causou espécie foi
a defesa desse ato, por uma personagem, que, sendo repórter tem o dever ético
de velar pelos valores da sociedade, divulgando as notícias com isenção e,
principalmente ao apoio que ela recebeu no Facebook.
No
caso, Sheherazade, que não é uma princesa,incitou o ódio. E porque? Porque o
“bandido” em questão se tratava de um negro marginal, ou porque era pobre?
E
o que dizer de outros bandidos, muitas vezes de cor branca e “bem criados”, que
assaltam os cofres públicos, fraudando e roubando o dinheiro da merenda escolar
das crianças, desviando verbas de calçamento e de escolas para os seus bolsos,
por exemplo? Qual o tratamento que eles merecem?
Ora,
senhores, façam-me um favor!
Desde
quando, justiceiros, que são igualmente bandidos, têm o direito de fazer
justiça com as próprias mãos?
Lembremo-nos
que vivemos numa sociedade que deve respeito à Lei, à Constituição e aos valores
sociais e humanos que se encontram em seu Texto Maior e, muito embora saibamos
que a violência está crescendo a cada dia, com assaltos, estupros e outros
tipos de crimes, não devemos nunca deixar de acreditar na Lei e na Justiça, sob
pena de enterrarmos o Estado de Direito sob o qual vivemos.
Finalizo
este texto, dizendo, em alto e bom som, que o Brasil que eu quero é o Brasil de
Dona Ivone, não o de Sheherazade.
Um
abraço a todos.
*PAULO ROBERTO DE LIMA é graduado em
Filosofia pela Universidade Católica, bacharel em Direito pela Faculdade de
Direito do Recife e atualmente exerce o cargo de Procurador Federal.
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