sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

OS SANTOS INVASORES

*Dr. Paulo Lima

 Sempre fui uma pessoa caseira, mesmo nos meus tempos de criança, já que adorava ir para a casa de minha avó “mãe Nem Nem”, no sítio goiabeira, em Vertentes, lugar onde nasci, para ficar correndo por entre as mangueiras e goiabeiras, molhando os pés naquele riacho de águas cristalinas, que serpentava por entre as árvores, de inverno a verão.  Hoje não se sabe mais por onde corre o riacho, que somente dá o ar de sua graça quando o inverno é generoso, mesmo assim, por um curto período. É que nos dias atuais nem invernos generosos temos mais em nossa terrinha. Ainda hoje, portanto, gosto muito de ficar no sossego da casa onde resido na beira mar de Olinda. De fato, há algum tempo atrás, era um lugar tão ou mais calmo que o sítio da minha avó.
Hoje, no entanto, não existe mais a tranquilidade de outrora. Nem lá, no sítio goiabeira, que nem mais sítio é, já que foi transformado numa rua, por obra e graça de um decreto fictício dos gestores daquela cidade e, também, por conta da violência crescente que tomou conta de Vertentes nestes últimos tempos. Já aqui, em Olinda a rua, ou melhor, a avenida onde moro, antes uma via que se confundia com a própria praia de Rio Doce, era tão calma que havia dias em que, se passasse mais de dois ou três carros além daqueles dos moradores da localidade, já pensávamos que estava acontecendo alguma coisa de anormal. Mas as coisas mudam e o progresso chegou e com ele veio à revitalização daquele trecho de praia e agora, além das máquinas revolvendo a terra e levantando poeira, fazendo um barulho infernal, juntos vieram os carros e, muito embora a via não esteja, ainda, sequer asfaltada, já circulam na área centenas deles diariamente e o sossego que é bom, sumiu! Mesmo assim, diante de toda esta balbúrdia diária um fato veio a chamar nossa atenção, dia desses. Vou contar para vocês.
Perto da minha casa existem ruínas onde outrora era uma casa de veraneio, construída nas décadas de 50, 60, que foi adquirida, tempos atrás, por compra e venda, por um senhor cujo nome não lembro no momento, mas sei que  se trata de um  ex-seminarista. Se não estou enganado, o citado administra um museu de arte sacra na parte alta de Olinda e por isto mesmo é chamado de “padre” por alguns vizinhos. Pois bem, semana que passou a vizinhança foi despertada por um barulho de homens, juntos a um caminhão com um “munck”, carregado com dois santos na carroceria. Na realidade eram duas estátuas, de Santo Expedito e São Camilo, pesando aproximadamente 01 tonelada cada e medindo uns três a quatro metros de diâmetro, as quais, depois de muito trabalho vieram a pousar onde outrora era o jardim da referida casa.
Indagados por um dos vizinhos porque os santos foram colocados ali, um dos encarregados respondeu que teria sido ordem do escultor das estátuas e que dali em diante aquela seria a morada dos santos, já que haviam sido doados à Prefeitura de Olinda para decorar a praia; no que o vizinho retrucou: “mas essa casa tem dono e aí não é a praia”! “Tem sim”, respondeu, “não está vendo os moradores não?” E apontou para os santos. “Eita, agora danou-se! Quando o padre souber disso vai ficar uma fera!”  E tocou o telefone para o dono da casa contando a novidade. Bastou desligar o aparelho eis que aparece o “padre”, ou melhor, o proprietário do imóvel, acompanhado da polícia. Estava formada a confusão, já que os trabalhadores, quando solicitados, se recusaram a tirar os “invasores” do terreno, alegando que o mesmo não tinha dono e que somente recebiam ordens do Prefeito ou da Justiça.
E não adiantou o “padre” esbravejar, pois os policiais lhe disseram que nada poderiam fazer, já que ele não tinha em mãos um Mandado de Reintegração de Posse e nem sequer estava com a escritura do terreno. O “padre” quase teve um troço; ainda tentou empurrar as estátuas para fora do terreno, mas os santos permaneciam inamovíveis - já que pesam uma tonelada cada - e vendo que os seus esforços estavam sendo em vão, o coitado do homem ajoelhou perante os santos como se estivesse pedindo clemência e desistiu. Antes de sair do local, porém, soltou uns palavrões e disse que iria à justiça em busca do seu direito, se retirando logo em seguida.
O fato, é que, agora, somos vizinhos dos santos invasores, ao menos até o dia em que o “padre” consiga na justiça o Mandado de Reintegração de Posse e os expulse do seu terreno. E pensar que há pouco tempo atrás o lugar onde moro era tão sossegado...


*DR. PAULO ROBERTO DE LIMA é  graduado em Filosofia pela Universidade Católica, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife, advogado, e atualmente exerce o cargo de  Procurador  Federal.

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