sexta-feira, 10 de outubro de 2014

O JUIZ E O CIDADÃO

*Dr. Paulo Lima

Por volta das décadas de 40/50, havia na minha cidade, Vertentes, um cidadão por nome de Francisco Pereira, que tinha uma peculiaridade que o diferenciava dos demais cidadãos.  É que o mesmo exercia a advocacia, muito embora não fosse advogado nem nunca tivesse freqüentado os bancos de faculdade. Era o chamado “rábula”, figura que na época de então podia exercer esse importante mister, já que a Lei da Advocacia assim permitia, em razão da carência de advogados e sua quase inexistências nas pequenas cidades do interior, como era o caso de Vertentes.
Do mesmo modo, poucas eram as cidades sede de comarca e, no caso, a minha cidade era exceção, pois contava com juiz, posto que nos idos de 1879, a Lei Provincial de nº 1.317 elevou a povoação de Vertentes à categoria de vila, transferindo para ela a sede da comarca de Taquaritinga do Norte, sendo devolvida posteriormente à “Dália da Serra”. Mas estas são apenas pinceladas históricas, que não dizem  respeito ao tema central e, por isto, voltemos ao mesmo.
 “Seu Chico Pereira” era um homem sábio, assim considerado pelos cidadãos comuns, que se valiam dos seus vastos conhecimentos jurídicos, justamente em razão da ausência de advogados na cidade, na época, informações que me foram repassadas por minha mãe, que um dia a ele recorreu para resolver uma pequena questão. Imaginem vocês o que representava a figura de um Juiz de Direito naqueles tempos? Hoje, infelizmente, sinto que o povo não vê deste modo e a culpa - permitam-me fazer este julgamento - somente aos juízes deve ser creditada. Querem ver um exemplo? Folheando o JORNAL DO COMMERCIO, edição desta quinta-feira, me deparei com uma notícia dando conta que todos os juízes brasileiros, sem exceção, terão direito ao recebimento de um auxílio-moradia no valor de R$ 4.377,73 (quatro mil, trezentos e setenta e sete reais e setenta e três centavos) e será pago ao todo e qualquer magistrado que não more em residência oficial, até mesmo aos que possuírem imóvel próprio. A decisão, vejam vocês, foi tomada pelo CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, amparada numa outra decisão do Ministro LUIZ FUX, do Supremo Tribunal Federal. Para quem não sabe, lembro que o Ministro é aquele que queria, porque queria, a nomeação de sua filha, advogada, para ser Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro! Sinceramente, causa espécie que um juiz que já recebe vencimentos superiores a vinte mil reais necessite de auxílio-moradia!
É por estas e outras que a sociedade já não detém tanta confiança naqueles ao qual a Lei e a Constituição Federal reservaram a nobre missão de dizer a justiça. E não é por outra razão que vejo na atualidade tantas decisões injustas, a ponto de me indignar, posto que, ao passo em que suas excelências reivindicam benefícios desta natureza, se negam, muitas vezes, a conceder a um pobre coitado um benefício no valor de um mísero salário mínimo, muitas vezes se apegando a letra fria da Lei!  E o que dizer do juiz que, recentemente, concedeu uma medida judicial a alguns especuladores imobiliários, para que fossem desalojadas centenas de famílias que ocupam um terreno, há bem mais de cinqüenta anos, sob a alegação de que estariam morando em terreno invadido!?  Saibam vocês, que, se esta medida infame for levada adiante e essas famílias forem expulsas de suas casas receberão, no máximo, a irrisória quantia de R$ 150,00  (cento e cinquenta reais), como auxílio moradia.
O que falta a esses senhores, indago?  Sensibilidade e uma maior formação humanística, aliadas a princípios cristãos, talvez, princípios estes que certamente não se obtém nos bancos de uma faculdade.
Aprendi, nesses longos anos do exercício da advocacia pública, que a função do juiz é, não somente aplicar corretamente à lei ao caso concreto, mas e principalmente, harmonizar esta mesma lei aos princípios gerais do direito e as exigências do bem comum.
Desde Criança tinha como sonho me formar em Direito e exercer a Advocacia em favor do cidadão, sonho este que, graças à minha persistência e fé consegui tornar realidade. Hoje, no entanto, vejo com certa angústia e desânimo que não mais acredito nos juízes, embora ainda creia na justiça.
Um abraço a todos.

*DR. PAULO ROBERTO DE LIMA é graduado em Filosofia pela Universidade Católica, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife e atualmente exerce o cargo de Procurador Federal. 

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