*Dr. Paulo Lima
“Zé
maneiro” era um sujeito engraçado, até folclórico, desses
que existem nas cidades interioranas e, evidentemente, a minha cidade,
Vertentes, não era exceção. Ele era “gari” da prefeitura e, embora fosse
consumidor assíduo da “água que passarinho não bebe” (essa frase não é minha) do mesmo modo
que todos nós, que apreciamos “o precioso líquido” (desculpe,
Teles), somente tomava os goles do “néctar dos deuses” (eita,
gota serena! Isso é que é gostar de cachaça, diriam vocês!) depois que
cumpria o seu dever. Eu acho que esse apelido, “Zé maneiro”, é porque,
depois que ele estava “calibrado”, ficava tal qual um
pêndulo de um carrilhão, aqueles relógios antigos, para frente e para trás. Na
época de minha juventude a profissão de gari não era muito dignificada pela
população de nossa cidade e apenas as pessoas de ínfima qualificação
profissional queriam exercer tal mister, vejam vocês! Reconheçamos: Vertentes sempre foi uma cidade
conservadora e, talvez, por isso mesmo, hoje em dia esteja pagando este pecado.
Cala-te boca... Mas, voltemos ao assunto.
Lembro
que na época “Zé maneiro” morava lá pras bandas do “Gravatazinho”, um sítio
de nossa cidade, que o progresso já está incorporando à zona urbana e, sempre
pelas onze, doze horas do dia, após concluir o seu trabalho, dava uma paradinha
na bodega de “seu Floriano”, e logo em seguida ia para a bodega de “seu Duda”
ou parava na bodega de “seu Guilherme” para tomar umas e
outras. Quando estava devidamente abastecido saía pela “rua preta” cantarolando
esta canção, certamente de sua autoria, cuja estrofe única e principal era mais
ou menos assim: “Abra a porta meu bem, que aqui fora está ruim demais, se amanhã eu não
chegar na hora, jogue a chave por debaixo da porta para eu entrar”... Eu
sei que a rima passou à léguas de distância, mas o que vocês esperavam, afinal?
Lembrei de uma outra canção que ele gostava de cantar, que dizia mais ou menos
assim: “Menina do dente de ouro, fui eu que mandei botar, vou te rogar uma
praga, para teu dente quebrar; hoje estais muito orgulhosa, essa camisa esta
sandália, fui eu que mandei te dar”... Mas o melhor não é isso. Quando
Zé Maneiro pendia à direita (eu não gosto
desse termo...), atravessava a “rua preta”, seguia em frente, pela
rua da lagoa e, antes de entrar no “Arranco”, dava uma “paradinha” na
venda de “Batinem” e tomava mais um gole. Seguindo o seu trajeto,
adentrava no “rói couro” (para quem não sabe, na época este era o
nome do lugar em que os homens mal amados satisfaziam suas mágoas, nos braços
de um “amor fingido”) e findava por descambar no final do trajeto, de
volta à ”rua preta”, já quase em frente da casa de Ozair Cavalcanti,
que na época era prefeito de Vertentes. Alguns de vocês, que me lêem neste
momento, sabem que a ”rua preta” é o nome popular da Rua
Capitão Valdemar Lima. Pois bem, quando chegava bem na frente da casa de Ozair,
já quase no final da “rua preta”, “Zé Maneiro” respirava
bem fundo, enchia os pulmões de ar, até não se aguentar e, tal qual um jumento
anunciando às horas no sertão soltava este grito, a plenos pulmões: “Ozair,
gota serena”! O prefeito que acabara de almoçar e estava tirando uma
soneca tinha um susto tão grande, que, não raras vezes quase caía da cama! Mas,
se vocês pensam que Ozair ficava aborrecido estão muito enganados. O prefeito levantava
depressa, chamava “Zé Maneiro” e, como bom anfitrião, que sempre foi, mandava
servir um prato para ele, acompanhado de uma boa “caninha”, que ninguém é
de ferro... Bons tempos aqueles.
Um
abraço a todos.
*PAULO ROBERTO DE LIMA é graduado em Filosofia pela
Universidade Católica, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife
e atualmente exerce o cargo de Procurador Federal.
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