sábado, 19 de março de 2016

O SAPO NAMORANDO A LUA

*Por Dr. Paulo Lima

Eram jovens e viviam ambos numa pequena cidade do interior. Cursavam o ginasial e ela pretendia, mais adiante, cursar o magistério, equivalente ao antigo pedagógico, se não me falha a memória. Naqueles tempos o curso técnico que habilitava as moças para ensinar às crianças, se chamava pedagógico.
Ela não tinha grandes planos. Sendo filha de uma família tradicional, com algum dinheiro, já que o seu pai tinha uma propriedade onde criava gado bovino para o abate e para vender o leite produzido, esperava que um “doutor” viesse bater às portas de sua casa e lhe pedir em casamento aos seus pais. Afinal, como filha de fazendeiro, sentia-se no direito de não querer casar com um “pé rapado” qualquer. Ele, por sua vez, tinha sonhos, muitos sonhos, dentre os quais fazer o vestibular mais adiante e também se tornar “doutor advogado”. Naqueles tempos, quem chegasse a cursar uma faculdade, fosse qual fosse, e tivesse a sorte de chegar até o final, recebendo o famoso “canudo de papel”, não desejava, dali em diante, outro tratamento.
Não eram muitos que obtinham sucesso em tal empreitada, pois as poucas faculdades particulares eram caríssimas e, para subir as escadas de uma faculdade pública, a pessoa precisava de uma base sólida, adquirida tanto no primário (fundamental), quando no segundo grau, (hoje conhecido como o básico), o que certamente seria facilitado se a família pudesse colocar o seu filho num colégio católico, ou de formação religiosa. Poucos também eram os colégios particulares, somente encontrados nas cidades maiores ou na capital.
O ginásio onde estudavam pertencia a uma entidade filantrópica e, portanto, as famílias de posse pagavam uma módica mensalidade, que servia de auxílio para a manutenção da escola. Já os alunos que não podiam pagar os estudos precisavam recorrer a uma bolsa, estadual ou federal e daí, os seus pais corriam atrás do deputado votado pela família para conseguir a tal bolsa de estudos. Tempos difíceis aqueles.
Estudando ambos numa só turma, não demorou a nascer uma amizade entre eles, que findou descambando num namoro inocente, mas proibido, em razão da diferença econômica havida entre suas famílias. Ela sabia que os seus pais jamais aceitariam o namoro e, por consequência, embora já começasse a nutrir um sentimento pelo rapaz, tinha consciência de que aquele namoro não poderia, nunca, ultrapassar os portões da escola. Ele, por sua vez, aquela altura, já nutria por ela bem mais que um simples sentimento. Estava apaixonado! Mas, ao declarar sua paixão foi por ela advertido que não tivesse esperanças e, dali em diante, seria conveniente terminar o que nem havia começado, pondo-se um ponto final numa estória que poderia ter resultado num final feliz, ou não. Ficou ele, dali por diante, proibido inclusive de ter uma proximidade mais íntima com a moça. Passou, assim, a guardar para si mesmo o seu sentimento e ficou, dali em diante a admirar a sua beleza, de longe, tal qual o sapo namorando a lua, numa noite clara de inverno.
Os anos foram passando e a moça, que esperava o seu “doutor” para casar, findou casando com um rapaz, filho de comerciantes da cidade, sem formação superior. O rapaz, por sua vez, foi embora para a cidade grande em busca dos seus sonhos.
Anos depois voltaram a se encontrar casualmente, numa festa de rua, onde se reverenciava o padroeiro da cidade. Ele, com o seu anelão de doutor na mão direita e ela, com uma aliança na mão esquerda e um círculo de crianças à sua volta. Já não era a bela moça de outrora. Não fosse ela a chamar pelo seu nome não teria lhe reconhecido. Ele já havia montado o seu escritório de advocacia na capital e a clientela já lhe proporcionava ganhos razoáveis, a ponto de trocar de carro todos os anos. Os seus sonhos estavam quase todos realizados. Estava casado com uma médica, tinha um casal de filhos e havia voltado à cidade, apenas, para visitar os seus pais. Ela não precisava falar sobre os seus sonhos. Os filhos e a sua aparência de dona de casa falavam por ela…
Como foi ela a lhe cumprimentar e dizer que era Elisa, já que ele não a havia reconhecido, não tinha muito a dizer. As lembranças vieram à tona, mas foram logo em seguida interrompidas pelo som estridente da banda de música da cidade, que começou a tocar um dobrado em homenagem ao padroeiro, sepultando assim a possibilidade de um diálogo entre ambos, por mais curto que fosse. Mas isso também não tinha mais importância…

*DR. PAULO ROBERTO DE LIMA é graduado em Filosofia pela Universidade Católica, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife, ex Procurador Federal (aposentado) e advogado.

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