Eram jovens e viviam
ambos numa pequena cidade do interior. Cursavam o ginasial e ela pretendia,
mais adiante, cursar o magistério, equivalente ao antigo pedagógico, se não me
falha a memória. Naqueles tempos o curso técnico que habilitava as moças para
ensinar às crianças, se chamava pedagógico.
Ela não tinha grandes
planos. Sendo filha de uma família tradicional, com algum dinheiro, já que o
seu pai tinha uma propriedade onde criava gado bovino para o abate e para
vender o leite produzido, esperava que um “doutor” viesse bater às portas de
sua casa e lhe pedir em casamento aos seus pais. Afinal, como filha de
fazendeiro, sentia-se no direito de não querer casar com um “pé rapado”
qualquer. Ele, por sua vez, tinha sonhos, muitos sonhos, dentre os quais fazer
o vestibular mais adiante e também se tornar “doutor advogado”. Naqueles
tempos, quem chegasse a cursar uma faculdade, fosse qual fosse, e tivesse a
sorte de chegar até o final, recebendo o famoso “canudo de papel”, não
desejava, dali em diante, outro tratamento.
Não eram muitos que
obtinham sucesso em tal empreitada, pois as poucas faculdades particulares eram
caríssimas e, para subir as escadas de uma faculdade pública, a pessoa
precisava de uma base sólida, adquirida tanto no primário (fundamental), quando
no segundo grau, (hoje conhecido como o básico), o que certamente seria
facilitado se a família pudesse colocar o seu filho num colégio católico, ou de
formação religiosa. Poucos também eram os colégios particulares, somente
encontrados nas cidades maiores ou na capital.
O ginásio onde
estudavam pertencia a uma entidade filantrópica e, portanto, as famílias de
posse pagavam uma módica mensalidade, que servia de auxílio para a manutenção
da escola. Já os alunos que não podiam pagar os estudos precisavam recorrer a
uma bolsa, estadual ou federal e daí, os seus pais corriam atrás do deputado
votado pela família para conseguir a tal bolsa de estudos. Tempos difíceis
aqueles.
Estudando ambos numa
só turma, não demorou a nascer uma amizade entre eles, que findou descambando
num namoro inocente, mas proibido, em razão da diferença econômica havida entre
suas famílias. Ela sabia que os seus pais jamais aceitariam o namoro e, por consequência,
embora já começasse a nutrir um sentimento pelo rapaz, tinha consciência de que
aquele namoro não poderia, nunca, ultrapassar os portões da escola. Ele, por
sua vez, aquela altura, já nutria por ela bem mais que um simples sentimento.
Estava apaixonado! Mas, ao declarar sua paixão foi por ela advertido que não
tivesse esperanças e, dali em diante, seria conveniente terminar o que nem
havia começado, pondo-se um ponto final numa estória que poderia ter resultado
num final feliz, ou não. Ficou ele, dali por diante, proibido inclusive de ter
uma proximidade mais íntima com a moça. Passou, assim, a guardar para si mesmo
o seu sentimento e ficou, dali em diante a admirar a sua beleza, de longe, tal
qual o sapo namorando a lua, numa noite clara de inverno.
Os anos foram passando
e a moça, que esperava o seu “doutor” para casar, findou casando com um rapaz,
filho de comerciantes da cidade, sem formação superior. O rapaz, por sua vez,
foi embora para a cidade grande em busca dos seus sonhos.
Anos depois voltaram a
se encontrar casualmente, numa festa de rua, onde se reverenciava o padroeiro
da cidade. Ele, com o seu anelão de doutor na mão direita e ela, com uma
aliança na mão esquerda e um círculo de crianças à sua volta. Já não era a bela
moça de outrora. Não fosse ela a chamar pelo seu nome não teria lhe
reconhecido. Ele já havia montado o seu escritório de advocacia na capital e a
clientela já lhe proporcionava ganhos razoáveis, a ponto de trocar de carro
todos os anos. Os seus sonhos estavam quase todos realizados. Estava casado com
uma médica, tinha um casal de filhos e havia voltado à cidade, apenas, para
visitar os seus pais. Ela não precisava falar sobre os seus sonhos. Os filhos e
a sua aparência de dona de casa falavam por ela…
Como foi ela a lhe
cumprimentar e dizer que era Elisa, já que ele não a havia reconhecido, não
tinha muito a dizer. As lembranças vieram à tona, mas foram logo em seguida
interrompidas pelo som estridente da banda de música da cidade, que começou a
tocar um dobrado em homenagem ao padroeiro, sepultando assim a possibilidade de
um diálogo entre ambos, por mais curto que fosse. Mas isso também não tinha
mais importância…
*DR. PAULO ROBERTO DE
LIMA é graduado em Filosofia pela Universidade Católica, bacharel em Direito
pela Faculdade de Direito do Recife, ex Procurador Federal (aposentado) e
advogado.
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