segunda-feira, 27 de abril de 2015

A VIDA RIMADA NO BALANÇO DO CORDEL

*Por Alexandre Veloso

Em linhas curtas, com poucas palavras, em sextas ou quadras, o poeta colocava sua arte ao seu dispor, transformando a vida nordestina num caso de amor. Com sabedoria e muita astúcia estórias vão para o folhetim, em versos e rima escritas no papel, impresso uma xilogravura tá feito o cordel.

Povo brasileiro de brado retumbante traz às ruas a história da gente nordestina. Seja lá de Severina, Santana ou Dona Biu, porém contando no folheto em verso e rima o poeta contava também o que não viu. Estórias inventadas desde o tempo do além, trazidas intocadas no bizaco do juízo, pra contar na hora certa, fazendo graça na praça e na festa, podendo ser lido ou proferido sempre com jeito e molejo, e ás vezes meio sem jeito, mas com maestria, fazendo o público sentir graça, dó ou agonia.

Dependendo que como se conta a notícia, o efeito pode ser diferente. Pra muita gente o tom é mais importante que a palavra, dependendo da ocasião, a vírgula mal colocada pode dá confusão e a pausa engolida transforma o elogio em palavrão. Tem ainda o dialeto nordestês falado pelas bandas de cá, pra muitos precisa de tradução, para - o cabra - da capital que fala somente português, é tão difícil quanto falar japonês.

Pra ficar melhor juntou-se a astúcia do matuto com o que trouxeram de Portugal, deram uma simplificada pra ficar mais legal e invés de escrever peça de teatro e coisa e tal, resolveram contar à vida de qualquer um que fizesse algo especial, podia ser de gente a jumento, no céu ou no inferno, verdade ou de mentirinha, mas de forma inteligente e organizada, sendo em sextas ou quadras, com umas linhas pequenas, bem adequadas, combinando umas com as outras, pra no fim dar uma coisa bem acabada. Acrescentaram ainda umas figuras bacanas, desenhadas no pedaço de pau, depois esculpidas devagarinho com muita parcimônia. As figuras eram feitas ao contrário do papel, depois que passasse na prensa com tinta preta estava feita a capa do cordel.

Desse jeito cheio de regalias, história triste fica bonita, o sertanejo mais forte, o jumento com espírito, o matuto mais sabido e o povo menos pobre. Não importa o tema, qualquer fica legal, com o talento do poeta com bastante cabedal, que traz a cultura da sua gente nas páginas do folhetim, impresso em branco e preto, o que se tinha para o momento, mas honra sua raça desde o nascimento, seja no meu da caatinga ou do canavial, ali escrito estava sua herança natal, contada em verso e prosa mostrando ele quem era o maioral.

Assim o Brasil real é mostrado. Desse jeito a vida não padece a poesia salva da angústia que sente o homem sofrido do campo que por ele só tem a Ave Maria. E assim a arte vence a fome, a ingenuidade do matuto vira esperteza, são modos diferentes de ver a mesma coisa, por isso à vida contada em cordel vem com um verniz especial dando brilho a paisagem seca. Reluzindo a luz da inspiração na criatividade de quem transforma jumento em doutor. Nas páginas dos folhetos de literatura de cordel, a vida segue um balanço diferente, segue o balanço da rima do cordel.


* ALEXANDRE VELOSO é Amante da arte, praticante da inquietação constante, que tudo muda de lugar o tempo todo. Produtor cultural, especialista em marketing e propaganda.

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