quarta-feira, 1 de abril de 2015

ÁGUAS DE MARÇO

*Dr. Paulo Lima

Estava hoje de manhã na varanda da casa onde moro, aqui em Olinda, olhando a linha do horizonte e vendo as águas azul claras do oceano atlântico a se confundirem com o azul brilhante do céu de um dia de verão e pus-me a pensar, tal qual Fabiano, o vaqueiro rude de “Vidas Secas, obra de Graciliano Ramos, que, ao menos neste mês as águas não virão em abundância. Na verdade, há alguns anos que as “águas de março” só chegam para nós através da canção, interpretada na voz marcante de Elis Regina, já que o inverno, como nós costumamos chamar a estação chuvosa em nossa região agreste, transferiu-se para abril, ou maio. Mas, tal qual nossos irmãos do cariri, ou o sertanejo Fabiano, não perco as esperanças. Olho os sinais da natureza; a saúva cortando o que resta de verde nas folhas da caatinga, no terreno que tenho lá pras bandas do “Riacho Doce”, na cariri de Taquaritinga do Norte, o florescer da barriguda no alto da Serra da Taquara, ou da caraibeira, ou mesmo a aranha caranguejeira, caminhando pela estrada a fora, a me dizer que a chuva não tardará. Assim somos nós do agreste e do sertão de nosso Pernambuco: Nunca perdemos a esperança.
É engraçado como pessoas tão próximas às vezes se diferenciam tanto. Refiro-me ao pessoal da região praieira. Os que nasceram à beira mar ou mesmo nas áreas outrora alagadas, que foram tomadas do mar pela ação do homem, para nelas construir as suas casas. Até pouco tempo atrás Janine, minha mulher, estranhava um pouco quando eu achava bonito o céu quando ficava cor de chumbo, tomado por grossas nuvens prenunciando chuva. O mesmo se dava comigo, quando ela falava que o tempo estava feio e chuvoso. É que ela, como tantos outros nascidos no litoral, acostumados com o sol, não sabe o quanto significa para nós, do sertão e do agreste de nosso Estado, sentir os pingos grossos de uma chuva a bater com força em nosso rosto, causando uma leve sensação de dor e ao mesmo tempo um prazer indescritível, transferindo-nos à infância, quando, mal terminavam as festas natalinas já começávamos a aguardar ansiosos as chuvas de março! É certo, que, às vezes chovia um pouco em janeiro e já íamos nós a tomar banho de chuva e muitas vezes com ele vinha um senhor resfriado! Como era bom aquele tempo de nós, moleques, a correr para as beiradas das casas do sítio goiabeira, em Vertentes, tão logo a chuva começava a cair do céu, aguardando o momento em que o telhado começasse a jorrar aquela água bendita em nossas cabeças! Só sabe mesmo o prazer desse momento quem, como eu, tomou banho de biqueira, num dia de inverno generoso.
Hoje eu não sei se os moleques de nossa terrinha ainda sentem o prazer de tomar banho de chuva; espero que sim, já que nada é tão gostoso quanto um bom banho de biqueira.
De repente volto à realidade, deixando de lado as lembranças da minha infância e pego o jornal para dar uma olhada. Nele vejo a previsão do tempo, a indicar que, pelo quarto ano consecutivo não teremos um bom inverno, aqui em nossa região. Ora, penso eu com os meus botões: e quem são esses homens do tempo para saber mais que as saúvas cortadeiras? É claro que vamos ter um bom inverno sim, pois os sinais da natureza estão aí para desmentir aqueles que pensam que sabem mais que o Criador.  As chuvas podem não vir agora em março, mas com certeza virão com abundância em abril e espero presenciar alguns moleques a correr para baixo das biqueiras das casas, para que, ao menos possa sentir neles um prazer que ficou para trás, guardado com carinho nos meus tempos de criança.
Um abraço a todos.


*PAULO ROBERTO DE LIMA é graduado em Filosofia pela Universidade Católica, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife, advogado, e atualmente exerce o cargo de Procurador Federal.

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