sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

AINDA MORRO DISSO!

*Dr. Paulo Lima

 Eu não sei se a maioria de vocês, minha meia dúzia de fiéis e pacientes leitores sabe, mas na minha juventude toquei numa banda de baile. Naquela época já não mais morava em Vertentes, pois tinha vindo tentar a sorte e continuar os estudos na cidade grande e, nos idos de 1978 conheci o Maestro Emanoel Moraes, uma figura extraordinária, a quem dedico estas mal traçadas linhas.
Ele era de filho de Santana do Ipanema, cidade sertaneja, mas há anos morava em Palmeira dos Índios, cidade que fica às portas do Sertão Alagoano, na época a terceira maior daquele Estado, tendo perdido o título de maior cidade do interior alagoano já há algum tempo, para Arapiraca, a chamada “Capital do Fumo”, que crescia a olhos vistos, em razão da produção e da comercialização desta agricultura, em substituição ao algodão, que estava em baixa no mercado nacional e internacional por força dos chamados tecidos sintéticos, em moda. Mas, voltemos ao assunto.       
Emanoel Moraes, (isso mesmo, com “o”), era um músico dos melhores que conheci – tocava trombone, mas dizia que um dos seus instrumentos prediletos era o trompete – tinha um conjunto musical de baile, cujo nome era “OS TREMENDÕES”, vejam vocês!  Nesse tempo as festas interioranas eram abrilhantadas pelas bandas de música, que tocavam em frente à igreja após a procissão e os bailes, nos clubes, ficavam a cargo desses conjuntos musicais. Não havia essa estória de shows em praça pública, com esses cantores e bandas de “forró de fuleiragem”, no dizer de Teles, de gosto musical duvidoso, que são contratados a peso de ouro pelas prefeituras, às custas dos cofres públicos, cujo objetivo, além de distraírem a massa ignara, promovem tanto o deputado quanto o prefeito da ocasião.
Pois bem, aqui mesmo, no nosso Agreste pernambucano, havia alguns excelentes conjuntos musicais, a exemplo dos “Bárbaros da Bossa”, de Caruaru, dos “Meigos”, da cidade de Surubim, cujo guitarrista e cantor era o meu amigo e “conterrâneo” Edimirson Danda, aqui da minha querida cidade mãe adotiva, Taquaritinga do Norte, sendo o maior e melhor de todos, “Ogírio Cavalcanti”, da cidade de Campina grande, que fazia grande sucesso! “Os Tremendões” era um dos melhores de Alagoas!
Nesse tempo de vacas magras, para mim, claro, já que não havia conseguido, ainda, o meu primeiro emprego, de professor, foi uma excelente oportunidade que encontrei para complementar a renda e todas às sextas feiras, saía do Recife para a cidade de Palmeira dos Índios e de lá me incorporava ao grupo e, na manhã seguinte, saíamos pelas estradas empoeiradas dos sertões de Alagoas, Pernambuco, Sergipe e Bahia, para tocar nos bailes da vida! Era uma verdadeira aventura, um sofrimento só (mas como eu gostava), pois nos enfiávamos em duas “kombis”, que seguiam carregadas de caixas de som e instrumentos musicais, e lá íamos, torcendo para o motor agüentar o tranco e chegar ao destino. “Os tremendões” era um ótimo conjunto, mas a atração maior era mesmo o maestro Emanoel Moraes, pois, a certa altura do baile saía ele com o seu trombone de vara pelos salões dos clubes dando um verdadeiro show, fazendo um verdadeiro “treato”, como dizia o grande Luiz Gonzaga, na canção “Karolina com K”.  Mas, Manoel Moraes, como era conhecido, não era somente um grande músico; era também um mulherengo inveterado e não podia ver um rabo de saia que ficava todo enxerido, apesar de não ser mais tão jovem e, já na época, exibir uma barriga de fazer inveja a qualquer gestante de oito, nove meses! Lembro alguns causos que vivenciei envolvendo aquela figura. Vou contar um deles.
Certa feita fomos tocar numa “pega de boi”, em Várzea de Dona Joana, um lugarejo perdido lá no sertão de Alagoas e Manoel Moraes exagerou na bebida.  No dia seguinte à festa, por volta de onze horas da manhã, fazia um calor dos infernos e Manoel Moraes acordou dentro do ônibus (na época as “kombis” já haviam sido substituídas) e começou a passar mal. Na cidadezinha não havia sequer uma farmácia e haja Manoel a gemer e ficar vermelho e a gente sem saber o que fazer. De repente, o cantor da banda correu numa casa em frente ao ônibus, pediu um balde d água e jogou em cima do maestro e o coitado quase morre estuporado! E continuava ele a gemer e passar mal e a gente só esperando o pior, e eis que de repente surgiram na esquina da rua duas morenas brejeiras, lindas, tal qual a flor do mandacaru, numa florada pré invernada, e quando estavam passando ao lado do ônibus, Manoel Moraes levantou a cabeça e, ao ver aquelas duas formosuras gemeu ainda mais forte, deu um suspiro e perguntou: oh, meus anjos, eu já morri e cheguei no paraíso, foi? Não morreu não, seu enxerido, responderam. Ao que ele retrucou: Eu não morri, mas ainda morro disso!  Deu um pulo da cadeira e ficou novinho em folha, com aquele “olho pidão”, observando as meninas passarem, e finalmente pudemos continuar a nossa viagem.
Em tempo: Para quem não sabe, “pega de boi” é a autêntica vaquejada dos sertões, onde os vaqueiros se enfiam dentro da caatinga, em busca do touro bravo, e vence a disputa aquele quem consegue capturar o animal.


*DR. PAULO ROBERTO DE LIMA é graduado em Filosofia pela Universidade Católica, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife, advogado, e atualmente exerce o cargo de Procurador Federal. 

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