sexta-feira, 29 de maio de 2015

PAISAGENS DE UMA CIDADE GRANDE

*Dr. Paulo Lima

Não sei se vocês já notaram, mas, vez por outra começo os meus escritos numa espécie de diálogo. É que, deste modo, tenho a sensação que ficamos mais próximos, posto que poucos são os que converso ao vivo, vez por outra e não, através de uma folha de papel. Seria muito bom se todos pudéssemos ter uma convivência mais próxima, mas a distância, os afazeres, enfim, as contingências da vida não nos permitem. Por isto mesmo, quando sinto necessidade converso com vocês através de uma folha de papel, como agora.
Pois bem, dia desses precisei me deslocar da casa onde moro, aqui em Olinda, até o bairro dos Aflitos, para resolver um assunto de saúde. Há muito, a travessia entre a "Marin dos Caetés" e a "Veneza Brasileira" tornou-se uma verdadeira "via crucis", por conta do trânsito, que, a cada dia que passa se torna mais intenso e agressivo. Não é fácil, mesmo porque sabemos que a cada dia que passa esta praga da modernidade, que alguém achou por bem dar o nome de automóvel, está expulsando das ruas as pessoas, posto que até caminhar pelas calçadas se torna temerário frente o perigo de ser atropelado por um condutor menos atento, ou apressado.  Até em cidades como a nossa "Princesa do Agreste", agora mais conhecida como a "Capital do Forró", ou mesmo a "Capital da Sulanca" ou algumas de suas vizinhas, de menor porte, como minhas cidades, Vertentes e Taquaritinga, antes até certo ponto tranqüilas e bucólicas, já foram há algum tempo invadidas pelas tais máquinas da modernidade. São os tempos, diriam vocês. Pois é. Mas, voltemos ao que interessa.
Ao chegar ao bairro do Espinheiro tive que diminuir ainda mais a velocidade do meu carro, em razão do trânsito, e de repente comecei a perceber como nos últimos tempos a paisagem destas duas cidades mudou. Olinda nem tanto, mas principalmente o Recife, e se alguém for alçado a uma altura razoável daquele amontoado de edifícios, vai ter a nítida sensação de que nossas cidades foram como que espetadas por estacas, tal qual uma tábua de pirulitos. Será que alguém ainda vende pirulitos por aí? Faz anos que não vejo um vendedor de pirulitos... Como o meu carro estava praticamente parado olhei para o alto e lá estavam eles, os edifícios - alguns com fachadas interessantes, mas, a maioria deles, nem tanto - pontilhados por minúsculas janelas que mal dão para uma pessoa se espremer. Numa delas vi um senhor de aproximadamente 75 anos, com olhar fixo, sem brilho, dirigido para adiante, e fiquei a pensar: o que estaria vendo aquele senhor de olhar distante, já que a sua visão não pode atravessar aqueles paredões de concreto?   Estaria ele a sonhar?   Certamente não.
Deve ser muito triste a gente morar numa dessas "casinhas de pombos", após a chegada da velhice, aprisionado entre quatro paredes e não tendo, sequer, o que visualizar além de tantos outros edifícios a empatar a nossa vista e fico a pensar como é bom morar numa casinha no mato, distante de tudo isso. Sim, pois nem mais nossas cidades interioranas estão livres desta paisagem, pois Caruaru, por exemplo, já começa a ser espetada... É o progresso, diriam vocês.
Finalmente cheguei ao meu destino, o bairro dos Aflitos. Estacionei o meu carro atrás da clinica médica e, ao descer, vi à minha direita um majestoso e imponente pé de cajá, carregadinho de frutas, algumas maduras caídas no chão, exalando aquele cheio gostoso que só sabe e sente quem nasceu e cresceu no interior. A árvore devia medir uns dez ou quinze metros de altura e, quanto ao seu tronco, se três pessoas se dessem às mãos certamente não o abraçariam totalmente. Parei um pouco e fiquei a olhar por alguns instantes aquela maravilha da natureza, quando de repente fui sacudido por um canto de um sabiá, que vinha de um manguezal, vejam vocês, e só aí pude perceber que estava às margens do Rio Capibaribe, o nosso "Rio das Capivaras", que nasce em terras agrestinas, mais precisamente em Poção - lá, quando o rio não está seco suas águas são límpidas - e vem desaguar justamente na nossa "Veneza Brasileira". Mas, ao olhar por entre os galhos e folhas dos manguezais pude perceber e ver, que, muito embora o rio serpenteie entre manguezais, numa paisagem relativamente bucólica, encontra-se cercado, mais adiante, por uma infinidade de paredões de concreto, e o líquido que escorre no seu leito tem a cor da morte e o odor de lama fétida e apodrecida, decorrente do envenenamento de suas águas ao longo dos anos, fruto da ação insensata do homem.
E fiquei a imaginar, que, se ao menos aquele velho senhor pudesse olhar para o rio, entrecortado pelo manguezal, e ouvir o canto de um sabiá ou de um bem-te-vi, o seu olhar não esbarraria num paredão de concreto e, quem sabe, até poderia sonhar...


*DR. PAULO ROBERTO DE LIMA é graduado em Filosofia pela Universidade Católica, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife e advogado.

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